Músicas

PROJETO CABARÉ com LEONARDO e EDUARDO COSTA

A notícia de que Leonardo e Eduardo Costa gravariam um DVD juntos agradou muita gente. E o adendo de que o DVD seria gravado na “zona” agradou mais ainda. Já pensaram? Um DVD que celebra um dos grandes porém menos prestigiados palcos da música sertaneja de todos os tempos. Pois é. Eis que finalmente o projeto é gravado e lançado, mas não tem nada da homenagem ao lado “risca-faca” da música sertaneja. Ao contrário. É um DVD chique e pomposo, com muito mais influência dos cabarés europeus do que dos brasileiros, que foram o ganha-pão de muitos artistas sertanejos, inclusive do próprio Eduardo Costa, que adora dizer aos quatro ventos que chegou a morar num desses “inferninhos” durante algum tempo, na época das vacas magras.
O filme “2 filhos de Francisco” chegou a fazer uma alusão a esse tipo de recinto, de certa forma prestando uma singela homenagem, mas a cena com a atriz Maria Flor acabou cortada da versão final do filme, sendo incluída apenas nos extras do DVD. Aliás, o politicamente correto ainda é um grande empecilho para o gênero sertanejo. As rádios até hoje ainda relutam em aceitar nas suas programações músicas que contenham palavras como “foda”, que, convenhamos, nem palavrão é, mas que fazem parte do nosso dia a dia.
Leonardo e Eduardo Costa eram dois dos caras mais indicados para quebrar esse paradigma. Mas acabaram se deixando levar pelo que pareceu ser uma preocupação da gravadora e pelo refinamento exagerado da diretora Joana Mazzucheli, que é de fato a melhor diretora de DVDs do Brasil, mas acabou tirando do projeto o caráter contestador que muita gente achou que ele teria, com um cenário que, mesmo lindo, não tem a ver com a história da música sertaneja.
Tirando o lado politicamente incorreto e controverso do DVD, que acabou não sendo explorado, o disco “Cabaré” ainda consegue ser histórico por promover o encontro de dois grandes nomes do gênero sertanejo em um único projeto, dividindo o palco o tempo todo. É claro que isso fica mais fácil quando os dois artistas são do mesmo escritório e mais ainda quando são da mesma gravadora, o que aliás era o motivo para esse projeto não ter sido gravado antes, já que até algum tempo atrás o Eduardo Costa ainda era da Universal.
Num outro aspecto questionável do DVD, o repertório escolhido deixou de prestigiar um número maior de canções menos conhecidas, do lado B, para focar principalmente em hits já regravados inúmeras vezes, como “Seu amor ainda é tudo”, “Ainda ontem chorei de saudade”, “Boate Azul”, “Fio de Cabelo”, “De igual pra igual”, “Liguei pra dizer que te amo”, “Amargurado” e “Borbulhas de Amor”. As gratas surpresas ficam por conta de “Como eu chorei”, “Um degrau na escada”, “Vestido de Seda”, “Último Adeus”, “Quem será seu outro amor” e algumas outras, que mesmo já tendo sido revisitadas algumas vezes, não têm tantas outras versões como as citadas acima. “Princesa”, do Amado Batista, é outro acerto, já que quando se fala no Amado todo mundo já pensa de cara em “Eu tive um amor” e se esquece de outras tão importantes quanto.
A produção musical, assinada pelo própria Eduardo Costa, junto com o Leandro Porto e o Romário Rodrigues, é um dos pontos altos do DVD. Mesmo mantendo a harmonia original dos arranjos, foi colocada nela uma dose extra de virtuosismo, numa linha parecida com a do DVD que o Eduardo Costa havia gravado em São Paulo há alguns anos, com produção do Daniel Silveira. Tudo isso aliado à presença de um conjunto de cordas, o que sempre deixa qualquer música mais bonita, e do sopro em outros momentos. O trompete em “Borbulhas de amor” está incrível. Só tem uma coisa que ainda merece um estudo mais aprofundado: quais são, afinal, os motivos que levam o Leonardo a gravar a voz em estúdio ao invés de gravá-la valendo em seus mais recentes DVDs?
Cantando juntos em todas as faixas, o Eduardo Costa colocou a já tradicional pressão da voz dele em todas as canções, caindo para a segunda voz nos refrões. Já a voz do Leonardo manteve o aspecto estúdio, diferente daquela voz com punch vista em projetos como o DVD “Esse alguém sou eu”. E assim como no DVD “30 anos”, lançado esse ano, o Leonardo pareceu meio tímido, preocupado demais com o lugar previamente marcado para o seu posicionamento. Juntando a isso o público incrivelmente frio, o DVD acabou ficando “pra baixo”, o que foge completamente do tema “Cabaré” proposto.
Talvez visando a turnê do projeto, que será realizada em 2015, o DVD parece ter sido pensado para um público mais elitizado. Isso justificaria o caráter pouco participativo (e bota “pouco” nisso) da platéia, o cabaré ao estilo europeu (o letreiro “Cabaré” foi inspirado no letreiro do lendário cabaré Moulin Rouge, aparentemente) e outras características do projeto. Tudo muito bem produzido, claro, mas fora daquela proposta original que havia enchido os olhos de muita gente quando foi anunciada, creio eu, que era aquela coisa mais “pras coxas”, o que seria genial. Ao fim do show, o Leonardo deixa em aberto a possibilidade de outra edição do “Cabaré”. Com certeza seria uma boa pedida, claro, desde que a próxima edição seja mais voltada para o povão e para o cabaré ao melhor estilo brasileiro, por mais controverso que isso possa ser.

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